As relações humanas são complexas. Variam de localidade a localidade. Seja na longínqua Mali, país localizado na região Oeste da África, ou mesmo, em meio aos espaços verticalizados tão tradicionais na caótica São Paulo. Não são fáceis de interpretar por olhos deslocados de seu espaço e tempo e mais difícil ainda para quem ainda não experimentou, sentado em um bar, beber o amargor de uma paixão que se acabara.
O vínculo que nos unes e nos distancia foram temáticas que estiveram presentes na Praça da Liberdade na primeira noite do XX Festival de Inverno de Bonito. Enquanto artistas e suas obras se expunham na noite gélida de Bonito, o público pode se aquecer aos passos dos bailarinos.
Em meio as pessoas, o jovem bailarino pernambucano radicado na Bahia monta em sua bicicleta BMX e cria uma dança para conquistar sua amada. A música “Bolero de Ravel” dá o tom do relacionamento e da cumplicidade entre os objetos em cena que se apresentam enquanto o público transita em liberdade na praça.
Inspirado em uma vivência pessoal do diretor mineiro Luiz de Abreu em suas andanças por Mali, o espetáculo “Bolero de 4” interpretado por João Rafael Neto dialoga entre os princípios da dança contemporânea e as técnicas esportivas do bicicross. Segundo o bailarino pernambucano, para a construção da coreografia foi-se necessário “uma fusão de experiências”.
Não foi apenas o bolero que entoou em liberdade em Bonito. Um dos maiores sambistas brasileiros de todos tempos também marcou presença. Pelo menos, em suas canções. A Companhia do Mato, com o espetáculo “Tempos Idos”, tem como pano de fundo as letras do compositor Agenor de Oliveira, mais conhecido como Cartola. Seu cotidiano suburbano carregado de um enredo típico de uma sociedade em transformação e que apresenta os dissabores de se viver e a alvorada diária da vida.
A peça não teria um lugar melhor para nascer que uma mesa de bar em uma esquina qualquer de Campo Grande. Mas foi seu espaço que remete a antiga boemia carioca que encantou o diretor Chico Neller a dar início ao projeto com a musicalidade de Cartola. Após levar o nome “Genuíno”, nome do botequim onde nasceu a ideia, com o decorrer dos ensaios e a percepção da narrativa do espetáculo, a peça acabou ganhando outro título.
Conforme o bailarino Hallison Nunes, “Tempos Idos” acaba dando a entender o objetivo do grupo. “Tempos Idos se refere a tempos que já se passaram, da gentileza e toques sutis que se perdeu, muito hoje em decorrência da tecnologia que acabou criando um distanciamento entre as pessoas. A peça acaba resgatando um pouco da sensibilidade humana”, conta.
E, para finalizar a noite, dando continuidade à construção do ser humano e sua intensidade, os paulistanos do Grupo Ares recriam, suspensos e a alguns metros do chão e a 180°, a coluna vertebral humana. Em seu primeiro ato, cada ator em cena, vai formando uma vértebra. Para sua diretora, Monica Alla”, a apresentação de dança “Vertebral” nasce da confluência de diversos sentidos humanos. “O espetáculo de dança na vertical. Onde o palco é verticalizado. Não só. É a dança, o palco, as ideias e as emoções. A gente pega tudo e verticaliza”, disse.
Texto: Daniel Campos
Fotografia: Aurélio Vinicius