Bonito (MS) – Esta é a terceira vez que o Café Literário está presente no Festival de Bonito, por meio da intervenção do Fórum de Cultura da cidade. Na manhã desta sexta-feira (27.07), na Casa da Memória Raída, durante o 19º FIB, os temas foram personagens que fizeram história na cidade e os “causos” que permeiam os mitos e o imaginário popular da região.
Para incentivar os debates, foi exibido o curta “Entre Rios e Histórias”, de Alexandre Basso, documentário lançado em 2004, com depoimentos de moradores de Bonito contando seus “causos e histórias”. É um registro poético documental sobre o tempo e a memória, contado através das lembranças dos mais velhos moradores da cidade de Bonito, com montagem de Lia Mattos, música de Toninho Porto e pesquisa e produção de Fernanda Reverdito.
Fernanda é neta de Raída, personagem histórica de Bonito que foi a segunda esposa do bandoleiro Silvino Jacques. Proprietária da Casa da Memória Raída, a anfitriã recebeu os presentes e falou um pouco sobre a produção do vídeo e sobre sua família. “Este é um filme muito revelador da cidade de Bonito. Este documentário nos ajudou a descobrir a melhor história de Bonito, que é o seu povo, a memória coletiva, fomos conversando com os moradores mais antigos. Isso é o tesouro de Bonito. A gente sempre conhece as belezas naturais e sabe pouco sobre o povo daqui, que tem uma cultura muito própria e personagens interessantes”.
Um deles é o “Seu Cleri”, que aprendeu a benzer com o “Sinhozinho”. Outro foi o próprio “Sinhozinho”, uma figura de projeção nacional, que em 1944 esteve em Bonito. “Ele foi um profeta do povo, que chegava e resolvia problemas, curava e falava de justiça social. Ele foi morto pela polícia mas as pessoas atribuem sua morte à revolta dos farmacêuticos, porque o ‘Sinhozinho’ estava acabando com o negócio deles. A fé dessas pessoas alimenta a história. Esse Bonito somos nós, queremos levar essa história até as pessoas”, diz Fernanda.
Outro personagem lendário é Silvino Jacques, original de São Borja, no Rio Grande do Sul, que se refugiou no sul de Mato Grosso uno por ter se envolvido numa série de assassinatos. Lutou na Revolução de 1932 e foi morto aos 33 anos na fazenda Aurora. “Era muito temido na região, valente, romântico, tinha vários amigos e as mulheres se encantavam com seus versos. Ele escreveu muita poesia para a minha vó. Ele faz parte da história de Bonito, que precisa ser resgatada”, diz Fernanda.
O maior contador de “causos” de Mato Grosso do Sul foi o Seu Marcondes, que contava sobre o pantanal e as comitivas. “Ele tinha um talento incrível, uma metodologia de contar aqueles ‘causos’, que vinham de tempos imemoriais. Ele tinha uma fórmula de memorização para lembrar aquela narrativa e conta-la várias vezes da mesma maneira. Era um artista na contação de histórias, uma preciosidade”, diz Ricardo Pieretti Câmara, um dos debatedores e doutor em Humanidades.
Ricardo é um apaixonado pela história do Estado e aprendeu a gostar de “nossas histórias” nas rodas de tereré de que participava desde a infância. No seu doutorado, estudou os “causos” como uma poética que está dentro da oralidade. “Fiz o trabalho de campo em torno do Pantanal e encontrei muitos contadores de ‘causo’. Cheguei à conclusão de que o ‘causo’ é um objeto literário oral, independente, é uma coisa nossa, que tem vida própria”.
O organizador do Café Literário durante o 19º FIB, o bonitense Kelvin Jacques Vargas, é formado em Filosofia pela UCDB. Ele fez a sua monografia de conclusão de curso sobre o Café Literário como forma de produzir conhecimento fora da universidade. “O mais rico de um café é que todo mundo pode trocar ideia, não é fechado. O conhecimento não é produzido só na universidade, mas também fora dela. Tem que ser mais profunda essa interação com a sociedade, com as pessoas. É muito emocionante poder realizar o Café Literário durante o Festival”.
Ao fim dos debates foi servido um café orgânico da região com castanha de baru, bolo orgânico e sopa paraguaia. E na tarde desta sexta-feira tem mais debate na Casa da Memória Raída, durante o 19º Festival de Inverno de Bonito. Às 16 horas convidados vão debater sobre “A Mulher na Literatura”. Venha participar também!
Fotos: Aurélio Vinicius