De atos tão banais como tirar uma selfie ou caminhar enquanto se observa a tela do celular, os primeiros minutos de “VIR(TU)EU”, da companhia de dança Street Pop, demonstram claramente o motivo do espetáculo: um olhar sobre os tempos ultramodernos e hiperconectados em que todos vivemos atualmente. Construído a partir de cenas curtas, com coreografias bastante diversas entre si, o trabalho dirigido por Edson Clair apresenta crítica bem-humorada e repleta de ironia sobre a liquidez contemporânea e a imersão digital dos laços sociais.
Dos gestos banais aos movimentos poéticos da dança, os dançarinos criam imagens cotidianas. A rigidez e a rapidez da movimentação, que se baseia sobretudo nas danças urbanas e no hip hop, são intermediadas por outros gestos como o digitar na tela do smartphone ou o deslizar os dedos likes e dislikes em aplicativos de paquera. À trilha minimalista, unem-se sons facilmente reconhecíveis como o de recebimento de mensagens de WhatsApp ou a voz eletrônica do Google Maps, sempre mapeando a presença do digital na cena.
A união das palavras “Virtual”, “Tu” e “Eu”, no título, sugere um modo de subjetivação no qual se molda uma maneira específica de ser e estar no mundo, sempre permeada por essa presença tão fugaz do virtual. Apesar do humor, como na cena em que os dançarinos vestem máscaras evocando emojis, a crítica é levantada a todo instante. Em outro momento, é a mediatização dos relacionamentos, fotografados e filmados a todo instante, que se torna o centro da cena. Tudo se torna imagem e, como afirma Debord, mercadoria em uma sociedade espetacular.
“O espetáculo surgiu de uma inquietação minha diante dessa realidade. Eu não nasci nesse mundo super conectado, mas vivo nele e me relaciono com as pessoas sempre a partir dele. Isso me inquietou e passei a pensar nesse trabalho”, comenta o diretor. Mesma a divisão do espetáculo em pequenas cenas, esquetes, é resultado da contemporaneidade fluída à qual “VIR(TU)EU” discute. “Essa fragmentação tem a ver com a maneira como recebemos informação hoje, tudo vem picotado em pequenas porções. Quando um vídeo tem mais de um minuto e meio, dois minutos, já se torna algo incômodo”, aponta.
O uso da ironia dá força ao trabalho e causa reações diversas na plateia que, enfrentando o frio de Bonito neste festival, permaneceu até o final. Se por vezes, a trilha causou incômodo por sons atonais e ruídos eletrônicos, em outros momentos o público caiu na risada ao reconhecer memes como “o forninho caiu” ou “levanta a cabeça, princesa, senão a coroa cai”. À sua maneira, “VIR(TU)EU” propõe uma crítica em relação a algo de que não se pode escapar. Mesmo que a internet tenha se apropriado de gestos simples como um joinha, continuamos a utilizá-lo, mesmo que ressignificado, para nos aproximar de algo que nunca nos afastaremos completamente: o outro.
ASS FIB