Bonito (MS) – Olhares profundos, às vezes perdidos no infinito, às vezes fixos em um determinado ponto; braços e pernas com movimentos que às vezes parecem involuntários; corridas disparadas em várias direções; enfim, corpos em movimento expressando uma temática bem contemporânea: o espetáculo “Migrantes” impactou o público que se encontrava na Praça da Liberdade, na tarde deste sábado (27.08.2022), durante o Festival de Inverno de Bonito.
A Companhia de Dança do Pantanal conseguiu imprimir sua marca neste trabalho coletivo, com 14 bailarinos em cena, que buscou expressar todas as dificuldades e violência que os migrantes têm sofrido nos últimos tempos. Conforme relatou o coreógrafo deste trabalho, Welington Júlio, ele se inspirou um pouco em sua vida pessoal e um pouco em coisas que estavam acontecendo no mundo neste ano. “O tanto que a imigração sofreu, o tanto que os migrantes e imigrantes sofreram com tudo: falta de emprego, falta de apoio, a própria xenofobia, e isso estava mexendo muito com a minha cabeça, vendo reportagens entrevistas, e eu resolvi trazer esta temática para a gente colocar um peso, assim, diferente, em cena. Eu acho que o trabalho ficou com um peso ideal, talvez ficou um pouco pesado por causa da real história, porque a gente não está falando sobre uma ficção, sobre um conto de fadas, por isso esse peso veio um pouco mais forte, por isso eu quis trazer isso pra cena”.
A Companhia de Dança do Pantanal é um produto do Moinho Cultural. “É uma Companhia muito jovem, está completando cinco anos e este é meu terceiro ano na Companhia. Já está dando saltos muito grandes em termos de trabalho, de personalidade, de maturidade, também, e isso é uma coisa que a nossa diretora, Márcia Rolon, preza muito, de contratar bailarinos já capazes e maduros”.
Wellington é de Viçosa, Minas Gerais, tem 34 anos, dos quais 24 anos na dança. Dançou em duas companhias mineiras e fez trabalhos de free-lancer em Minas Gerais, Rio, São Paulo. “Aí eu conheci um dos bailarinos da Companhia, o Cauã, aí ele me fez um convite, eles estavam precisando de um professor de dança contemporânea, eu vim para Corumbá em 2019, aí que eu conheci a história do Moinho Cultural e me apaixonei”.
“Migrantes” foi apresentado no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e aqui em Mato Grosso do Sul. Wellington ficou um pouco receoso de apresentar o espetáculo na praça, fora de um palco, mas o resultado, segundo ele, foi bastante satisfatório. “O público, quando a gente faz trabalhos de rua assim, sem palco, sem caixa fechada, a gente fica muito receoso. Mas eu me senti muito bem porque as pessoas abraçaram o trabalho, tinha bastante público, em praça é bem difícil porque as pessoas não param para assistir, normalmente não têm tempo, e também é muita informação dentro do Festival, e isso é muito bom. Como as pessoas pararam para ver a gente, já vi que foi um grau um pouco melhor, de alguma forma a gente conseguiu chamar a atenção das pessoas, de as pessoas quererem continuar assistindo o trabalho. E isso para mim é o mais interessante, porque às vezes as pessoas estão na correria, tão sem tempo que não conseguem tirar 35 minutos para ver um espetáculo de dança. Achei o público bem receptivo, por ser um Festival muito artístico, achei o público bem receptivo”.
Marco Baus, estudante de Arquitetura e Guilherme Biaggi, bailarino, vieram de Campo Grande para o Festival. Marco achou tudo muito lindo: “a dedicação deles e realmente é uma coisa que mexe com a emoção mesmo, é nítido que mexe com a energia, é muito bonito de se ver. Amei”. Guilherme já tinha visto o espetáculo num outro momento, mas a experiência de assistir durante o Festival de Inverno de Bonito foi “única”, “porque a gente consegue ver o corpo de baile trabalhando as emoções de fato, para o público, e a gente vê no começo do trabalho essa tensão e no final toda essa euforia, risadas, enfim, acho que a gente consegue participar e se envolver muito. É gostoso de assistir.
O artista Begèt de Lucena foi prestigiar a apresentação e para ele, a profundidade da união da dança com a performance, e a música, o comoveu bastante. “Isso tudo me leva para dentro da ideia proposta, o que eles querem atingir nessa miragem com o público. Achei o público muito envolvido também”.
O bailarino Marcos Vinícius Perez apreciou o espetáculo e o trabalho coletivo da Companhia. “O grupo tem um trabalho coletivo muito potente e muito harmônico, você vê quando as pessoas trabalham em conjunto é um espetáculo gostoso de a gente assistir, que é de uma temática muito profunda, muito importante para a gente refletir na nossa contemporaneidade e para pensar também quais aspectos a gente está tocando através da dança, a gente está falando de questões migrativas, de pessoas que são mortas e violentadas todos os dias. Então eu enxergo aí no processo coletivo, na dança, um meio de abordar esses caminhos de uma maneira poética, sensível, e que atravessa as pessoas de uma maneira um pouco mais consciente também”.
Texto: Karina Lima
Fotos: Alvaro Herculano