Campo Grande (MS) – Ouvir os problemas pelos quais passam as pessoas com deficiência também é de grande importância para tornar não apenas o Festival de Inverno, mas o município de Bonito cada vez mais acessível.
Portadores de impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, além de professores e especialistas na área, participaram da escutatória “Nada sobre nós sem nós”, onde um dos problemas mais apontados, além do não cumprimento das leis, foi a falta de sensibilidade das pessoas.
“Enquanto não houver uma mudança geral de atitude, as coisas vão ficar como estão, e as leis não serão cumpridas”, observou Ivone Ângela dos Santos, que é especialista em Acessibilidade Cultural e está concluindo Mestrado em Comunicação Acessível.
Para ela, que coordenou o evento, a informação é a principal arma para mudar o pensamento de quem ainda enxerga a pessoa com deficiência como alguém digno de pena. A educadora também ressalta a necessidade de ensinar a população que acessibilidade não é apenas para quem possui limitações físicas e mentais, mas um conceito universal.
“No imaginário geral, quando se fala de acessibilidade, lembra-se logo de cadeirantes, rampas, pisos táteis. Mas acessibilidade é para todos, é quando alguma coisa ou algum lugar é pensado para atender a totalidade. Isso é inclusão”, explica.
Dentro desse contexto, uma necessidade foi apontada: a acessibilidade turística, sobretudo em Bonito, município conhecido internacionalmente por suas belezas naturais.
O objetivo é que haja aproximação cada vez maior com a cadeia de hotéis e restaurantes para tornar esses locais mais propícios e adaptados a todos os tipos de necessidade.
Surgiu ainda a ideia de um levantamento dos artistas de Mato Grosso do Sul com deficiência para que a inclusão tire essas pessoas da plateia e as torne protagonistas nas apresentações, festas, shows e festivais, sobretudo promovidos pelo poder público.

Foto: Daniel Reino
ACESSIBILIDADE NA GASTRONOMIA
Sair para jantar com os amigos, beber e jogar conversa fora, é muito divertido, mas o que aparenta ser uma simples ação pode ser algo muito complexo para uma pessoa com deficiência. As barreiras começam durante a escolha do local, uma vez que a maioria dos sites não possui recursos de áudio descrição, por exemplo.
A falta de rampas para o deslocamento de um cadeirante, portas largas para sua passagem, ausência de cardápios em braile e de banheiros adaptados, fazem parte da lista de barreiras a ser transposta antes de sair de casa.
A professora Verônica Mattoso, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), que é casada com o consultor Márcio Felipe, cego, é a primeira brasileira a pesquisar o tema.
Durante sua passagem pelo Festival de Inverno de Bonito, aplicou diferentes experiências sensoriais com os participantes. Entre elas, “ouver” um filme com os olhos vendados e com recurso de áudiodescrição, além de um lanche às escuras, onde a maioria dos participantes relatou ter ficado “desorientado”.
SENTIR
Eu estava lá. É fato que até o momento em que a venda é colocada nos olhos tudo é levado na brincadeira. Mas a percepção de como é o aprendizado de uma pessoa com deficiência visual transforma. Imediatamente o lúdico se transforma em uma constante apreensão. Conseguirei andar sem tropeçar? Conseguirei achar o meu lugar?

Foto: Daniel Reino
Uma moça muito educada me conduz. Anda rápido demais. Em qualquer compasso, quase parado, seria, ainda sim, muito rápido. E para “ouver” o filme sou colocado em uma sala. Não saber exatamente quem está ao seu lado é curioso. Depois, preocupante.
Mas é no momento do filme, mesmo com todos os elementos inclusivos, que a dificuldade maior aparece. É quando a gente percebe o nível de adaptação de uma pessoa com deficiência. É necessária muita concentração para entender o filme, para interpretar os sons das salas, onde está a pessoa que fala com você.
Tive a oportunidade de ver o filme depois. Bem diferente do que minha imaginação desenhou em seu rodar. Não era pior nem melhor, apenas com cenas diferentes. Engraçado perceber como o rosto das pessoas podem se desenhar a partir da voz.
Em poucos minutos percebi que o nível de concentração de uma pessoa com deficiência visual deve ser alto. É um estado de alerta o tempo todo. E nas situações mais casuais. Uma superação a cada dia, hora, minuto.

Foto: Daniel Reino
SOBRE RODAS
Durante o Festival de Inverno de Bonito, a acessibilidade também foi debatida a partir do filme “Sobre Rodas”, do diretor Mauro D´Addio, onde Lucas, um menino de 13 anos, chega a uma nova escola depois de um acidente que o colocou em uma cadeira de rodas.
Lá, ele fica amigo de uma colega de classe, Laís, que sonha em conhecer o pai que a abandonou. Uma jornada se inicia quando eles descobrem o paradeiro do pai dela e decidem fugir juntos para tentar encontrá-lo.
Com a colaboração de Marcio Breda